quarta-feira, 13 de julho de 2011

Ela... Porque ela também é mulher... ( Eu acho)


...O som pesado do violão e a voz rouca dela adornavam o entadercer, era um tarde de inverno, e o tempo ainda estava nublado, mas ainda assim a chuva não caia, o céu era apenas uma paisagem em tons de cinza, marfim e pérola, povoando a imaginação dela que cantava mas uma vez...
A voz rouca e envolvente embalava os pensamentos de Dimbiéeri. Ele cochilava na velha cadeira de balanço. A cada nota dedilhada ele via por baixo de suas palpebras pedaços de sua juventude, o sorriso de sua amada Beladona Gervitteux, seu primeiro amor que havia falecido no auge de sua mocidade por uma pneumunia. O sorriso dela no balanço improvisado, o som da gargalhada dela. Ele recordou do pic-nic feito as escondidas as margens do rio Sena, as folhas do outono refletindo a luz de um sol intransigente que brilhava radiante em um dourado por do sol. Era belo e mágico.
Lembrou do passeio de bicicleta com as amigas de Beladona, lembrou de seu vestido vermelho e do chapéu grande demais para uma pessoa tão delicada e pequena. A fita rosa com a qual amarrava a ponta de sua trança, lembrou do perfume dos biscoitos caseiros que ela lhe preparava, do cheiro do xarope com o qual cobria as frutas que lhe servia.
...A voz rouca e melodiosa cessou brandamente, e seu violão dedilhou novas notas, mas doces, mas quentes, mas alegres, quase libertinas... e suas lembranças mudaram.
Era doce demais aquela lembrança tão remota de sua mocidade, as noites boemias em bares e cafés, bordéis e teatros das ruas de Paris, luzes e cores lhe povoaram a mente, e o cheiro, e o olhar de Alicia quase pareciam presentes de tão nitída que era sua lembrança, ela que era dançarina de um dos mais respeitaveis bordeis da França, lhe subjugou a um mundo de vicios e jogos, de álcool e música. Noites insólitas e tórridas, seguidas por uma carteira vazia e uma mente cheia de arrependimentos.
Alicia era pécado e fantasia, era a representação de tudo que era devasso em forma de mulher, as plumas, os perfumes, as jóias, o cheiro de pele e cigarro, bebidas e frutas, de amor e pécados. Sorrisos e fantasias. A lembranças eram sujas e belas, mescladas com um surrealismo poético que a saudade lhe impôs.
...E de novo, uma nova melodia, essa era branda, quase um lamento, o som do violão outrora pesado dava espaço a uma melodia mais harmônica, o som da voz rouca dela, era agora quase um lamento, tão bela...
E acompanhando a suave melodia uma nova lembrança, era a lembrança de Helena, a bela estudante de arte que o convecera que a vida é tão bela quanto abstrata, com ela viajou o mundo através da música, cinema e literatura. Aprendeu gastronomia, fotografia e a dançar, apaixonou-se diversas vezes por ela, que era uma, duas e três mulheres diferentes em uma mesma noite, ela era doce, quente e misteriosa, quando pensava compreendê-la, ela o surpreendia com um novo eu dotado de um existencialismo fantástico, com novos ideais e caracteristicas de uma intensidade quase surreal. Ela não foi seu primeiro amor, mas foi mais que a primeira qualquer coisa, ela era algo completamente diferente, ela era uma estrela, um sol vivo sob a forma humana, ela era uma musa capaz de inspirar todos os ritmos de canções, era sua borboleta em eterna metamorfose. Quanto mais ele a conhecia, mais a amava. Ele viu e sentiu em suas memórias todo o explendor daqueles dias, a morena fantástica que era Helena, pertencia a uma nação completamente diferente da sua, ele casou com ela, e foi morar no Brasil, onde se apaixonou mais uma vez, agora por uma mulher quente e viril, tão real quanto sua mãe e tão etéril quanto um fantasia, era uma Helena culta que sambava, e tornou-se mãe e esposa zelosa. Lia livros antes de dormir. Pintava telas após o jantar. E aquela melodia lamuriosa o lembrou de sua fantástica esposa.
Dimbiéeri abriu os olhos, haviam uns ultimos acordes no violão, e ainda embalado pela melodia ele viu Helena, sua única esposa, mãe de suas adoradas Meire e Camila, ela lhe estendeu a mão, ele aceitou-a, ela o olhava nos olhos, ele incapaz de balbuciar qualquer palavra, seu coração batia forte e devagar, assim como o ritmo da melodia, Helena estava exatamente igual, as longas madeixas negras emoldurando o rosto delicado, a pele amorenada brilhante e vivaz, era exatamente como em suas lembranças, ela se inclinou na ponta do pé, ele abaixou-se para receber o beijo oferecido, tão feliz, e assim, com um ultimo acorde a música acabou. E o coração de Dimbiéeri cessou os batimentos.
A morte foi doce, morena e juvenil. E ele se foi, com sua amada esposa ao caminho do "para sempre"...

...Ela colocou o violão nas costas, havia colhido mais uma alma, dever cumprido... E assim foi embora a morte... Com sua voz rouca e graciosa melodia... Entorpecer mais uma alma e trazer mais doces lembranças de uma pobre alma as vésperas da morte.